A cadeia de valor da área da saúde é composta por diversos “atores” ou
“agentes”, dentro desta da grande “indústria da saúde”, e constitui opções de
carreiras profissionais que vão além àquelas ocupadas pelos biomédicos hoje em
dia.
Sabemos que o Biomédico possui diversas opções de especializações e
carreiras para seguir. Acredito que mais de 80% dos Biomédicos seguem a área
laboratorial, o que compreende as análises clínicas (bioquímica, hematologia,
microbiologia, parasito, etc..), citologia, imagenologia, entre outras aquelas
em que também vestimos nossos jalecos brancos, apoiados em uma bancada. São
carreiras importantíssimas para a cadeia de valor da área da saúde, funções
essenciais para o bom funcionamento da relação médico-paciente, onde estes
dependem de um bom resultado laboratorial para a definição das condutas a serem
adotadas em direção à cura.
Mas isso não é novidade para ninguém – ao menos para aqueles
vestibulandos que ainda não sabem o que é Biomedicina (ou para as minhas tias
que nunca entendem o que faz um biomédico e teimam em achar que sou dentista)
Estas carreiras tradicionais da Biomedicina estão posicionadas em um
mesmo nível organizacional dentro de uma estrutura coorporativa vertical. Os
Biomédicos que trabalham em laboratórios, seja com urinálises, biologia
molecular, ou operando um tomógrafo, estão posicionados exatamente em um mesmo
nível estrutural, em termos organizacionais. Parece abstrata esta sentença.
Deixe-me explicar melhor.
Toda organização, seja ela pública ou privada, com ou sem fins
lucrativos, pequena ou de grande porte, de qualquer segmento, está organizada,
de alguma forma, em níveis e funções.
Pensemos em uma indústria automotiva, embora este exemplo sirva para
qualquer ramo de atividade, alimentícia, calçados, têxtil, etc... Esta
indústria automotiva tem o objetivo de fabricar e comercializar seus veículos.
Todo o processo se inicia no chão de fábrica, onde existem operários que montam
peças, operam máquinas de alto valor agregado, inspecionam peças e produtos
finais. Estes operários de chão de fábrica, seus líderes e supervisores estão
no nível de produção, o nível mais básico e essencial para que a coisa toda
funcione. Eles são responsáveis pela materialização daquilo que sua empresa irá
comercializar. Obviamente, esta indústria automotiva possui outros setores
importantes, que dão apoio ao processo como um todo, tais como recursos
humanos, financeiro, limpeza e conservação, manutenção, entre outros também
fundamentais.
À parte, existe outro nível organizacional, responsável por promover e
vender os produtos que esta indústria produziu. Se não há promoção e divulgação
dos produtos, não haverá vendas, se não há vendas, não haverá caixa para pagar
os salários dos
funcionários, fornecedores, impostos,
e assim por diante. Pergunto, qual nível organizacional está mais bem
posicionado, em termos salariais? O operário de chão de fábrica ou o executivo
de vendas? O supervisor de produção ou o gerente comercial? A diferença
salarial destes dois grupos é gigantesca. Infelizmente, no Brasil, existe um
gap salarial imenso entre níveis e funções. No Japão, por exemplo, esta
diferença não é tão grande. Um executivo trajando seu terno e gravata ganha um
pouco mais que o operário. Isto não significa que o executivo ganha mal, mas
que o operário ganha muito bem. No Brasil, o salário do operário é, no mínimo,
dez vezes menor que o do executivo. Eu disse no mínimo.
O que todo este papo tem a ver com você, meu amigo Biomédico? Observe as duas figuras abaixo:
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Figura 1
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A figura 1 mostra o núcleo técnico operacional de um grande laboratório
de análises clínicas, compreendendo a bioquímica, imunologia, hematologia e
todos os setores essenciais que já conhecemos em um laboratório clínico. Há
muitos biomédicos ali trabalhando, operando máquinas de automação de alto valor
agregado, o que exige certo grau de conhecimento para operá-las. Já a figura 2
mostra o chão de fábrica de uma indústria de produtos plásticos. Há muitos
operários ali trabalhando, operando máquinas de automação de alto valor
agregado, o que exige certo grau de conhecimento para operá-las. Coincidência?
Vamos às diferenças das figuras:
Os operários da fábrica de plástico são contratados pela CLT, ou seja,
possuem carteira assinada, possuem também um bom sindicato, que garante a eles
um dissídio digno a cada ano. Trata-se de uma classe de trabalhadores bem
unida. Fazem greve se estão insatisfeitos, possuem 13º salário, são pagos ao
fazer hora-extra, são bem pagos ao trabalharem à noite, ganhando um adicional
noturno e posso afirmar que muitos operários ganham mais que os biomédicos da figura
1.
Os biomédicos estudaram aproximadamente seis anos a mais que os
operários. Trabalham em uma atividade relacionada à saúde humana. Muitos
possuem pós-graduação e detêm nível intelectual mais avançado que os operários.
Mai de 80% dos biomédicos deste laboratório trabalham em outro laboratório,
fazendo dupla jornada de trabalho. Muitos também fazem plantões noturnos em
hospitais. Trabalham em média, 6 horas a mais que os operários. Muitos
trabalham sob o regime de cooperativas.
Vamos às semelhanças das imagens:
Em ambas as figuras, os trabalhadores envolvidos pertencem ao mesmo nível
hierárquico dentro de suas organizações. São responsáveis pela linha de
produção, pela materialização daquilo que será vendido. São essenciais para a
cadeia de valor de seus mercados. Ambos trabalham no “chão de fábrica”. Há
muitos trabalhadores no mercado, o que faz com que seus salários sejam bem
baixos. Aqueles que os contratam estão pensando constantemente em substituí-los
por alguma automação que execute melhor o seu trabalho, que seja mais produtivo
e que onere menos a folha de pagamento da empresa. Basta pensar como era feito
um hemograma há 30 anos e hoje em dia, ou, no processo produtivo de um carro há
30 anos e como é feito hoje. A automação não só substituiu os operários – e
biomédicos, mas também adicionou valor ao processo, com ganho de produtividade,
sensibilidade e redução de custos.
Sim. O biomédico que trabalha “na bancada” ocupa a mesma posição de um
operário. Isto não é um problema, muito menos uma tentativa de denegrir a
imagem do biomédico ao compará-lo a um operário, mesmo porque este segundo
desempenha uma função essencial para qualquer país industrializado, o motor de
tudo. Assim é o biomédico, também.
Circulando pela internet, me deparo com muitos fóruns promovendo atitudes
e mudança de comportamento da parte dos biomédicos, sindicatos e órgãos de
classes por melhores salários. Já li até algo sobre uma tal reinvindicação por
um piso salarial para o biomédico.
Acho bacana este esforço, mas insustentável. O que regula o salário dos biomédicos não
é um sindicato ou uma entidade de classe, mas sim o mercado. E o mercado está cheio de biomédicos dispostos a tomar três conduções para se chegar ao trabalho, trabalhar em dois empregos e dar plantões de final de semana, para no final do mês poder ter uma renda à altura de um profissional com terceiro grau completo (muitas vezes nem isso). Outro agravante é que em muitos casos, o empregador (um laboratório, geralmente) depende de fontes pagadoras – convênios médicos, seguros-saúde, e os valores pagos estão congelados há anos. Aumentar o salário dos biomédicos, contra o mercado, só piora a situação do biomédico no longo prazo, pois gera desemprego.
Acho bacana este esforço, mas insustentável. O que regula o salário dos biomédicos não
é um sindicato ou uma entidade de classe, mas sim o mercado. E o mercado está cheio de biomédicos dispostos a tomar três conduções para se chegar ao trabalho, trabalhar em dois empregos e dar plantões de final de semana, para no final do mês poder ter uma renda à altura de um profissional com terceiro grau completo (muitas vezes nem isso). Outro agravante é que em muitos casos, o empregador (um laboratório, geralmente) depende de fontes pagadoras – convênios médicos, seguros-saúde, e os valores pagos estão congelados há anos. Aumentar o salário dos biomédicos, contra o mercado, só piora a situação do biomédico no longo prazo, pois gera desemprego.
O ponto crucial nesta reflexão é que 90% das especializações para os
biomédicos, disponíveis nas universidades, faculdades e centros universitários,
nos conduzem ao “chão de fábrica”. Hematologia, microbiologia, bromatologia,
imagenologia, biologia molecular, perfusão extracorpórea, são exemplos de
funções que estão no mesmo nível dentro da cadeia de valor da saúde. Cada
especialidade com seu grau de dificuldade técnica, dinâmica e importância
comercial, mas ainda posicionadas no mesmo nível estrutural das organizações.
Este artigo não é uma crítica à profissão biomédica, mesmo porque é de
fundamental importância que haja biomédicos dispostos a realizar tais funções,
mas sim uma ferramenta para a compreensão do posicionamento dos profissionais
biomédicos dentro de seu setor de atuação. Adicionalmente, este artigo, informal,
visa trazer às vistas dos biomédicos e estudantes de biomedicina, que existem
outras carreiras não técnicas que podem ser seguidas e conquistadas, uma vez
que a cadeia de valor da saúde compreende agentes/atores que vão além dos
laboratórios, hospitais e clínicas. A cadeia de valor compreende desde os
fornecedores de matéria prima para a indústria de equipamentos médicos,
hospitalares e laboratoriais, a própria indústria fabricante destes produtos,
os distribuidores destes produtos, os usuários destes produtos, que são os
laboratórios, hospitais e clínicas (ah, o biomédico está posicionado aqui),
fontes pagadoras, como os convênios médicos, seguradoras e o governo através do
SUS, agências reguladoras e de classes, até chegar ao paciente, que está na ponta
desta cadeia.
Como fazer a transição da bancada laboratorial para outros setores desta
vasta cadeia? Este é o grande desafio do biomédico de hoje, uma vez que a
graduação e a pós-graduação biomédica pouco nos mostra este caminho.
Continua...
Texto:
Wagner Eiji Miyaura, M.Sc.
MBA – Fundação Getúlio Vargas – FGV – EAESP
Mestre pelo Depto de Patologia da UNIFESP-EPM – Universidade Federal de São Paulo
Especialista em Citopatologia pela Disciplina de Ginecologia da UNIFESP-EPM
Clinical Support Specialist – Latin America: Executivo responsável pelos produtos diagnósticos da Hologic Inc. para a América Latina
(o texto é um artigo enviado pelo próprio autor por e-mail. Sendo assim,trata-se de uma opinião unica e exclusivamente do autor. As imagens utilizadas são do próprio artigo.)
Muitíssimo interessante este artigo... só que eu acho que vou chorar...
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