Sempre que vamos estudar bioquímica metabólica, a
primeira coisa que vem à cabeça é o famoso Ciclo de Krebs e o Mapa Metabólico,
que assusta muita gente. Neste post, totalmente revisado, nós vamos te ajudar a
entender melhor as reações do ciclo e fazer você se apaixonar por ele! Ah,
vai... se você não se apaixonar, pelo menos que ajude a estudar para a prova!
Já é um grande avanço, não? Rsrs
Antes de começar esta leitura, é interessante que
leia o nosso post sobre a Via Glicolítica (ou Glicólise), já que o Ciclo de
Krebs é a continuação do metabolismo da glicose.
Então, vamos lá! Esqueçam a ideia de que a
Bioquímica Metabólica é Diabólica, tomem fôlego e vamos à postagem!
Terminada a glicólise! E olha que era apenas a primeira etapa da
complexa oxidação da glicose. Vamos lembrar o que temos até agora: um saldo
positivo de 2 ATP, 2 Piruvatos e 2 NADH.
O Piruvato formado segue um dos seus três destinos: formação do etanol
ou lactato (ambas são vias anaeróbicas); ou a formação da Acetil-CoA (via
aeróbica - do Ciclo de Krebs). Os organismos mais desenvolvidos como o homem,
transformam o Piruvato em Acetil-CoA, para que no final, ele seja oxidado a H2O
e CO2.
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Destinos do Piruvato. Fonte: Researchgate. |
As células musculares podem seguir a via do Acetil-CoA ou do Lactato,
sendo que nesta última não há um grande saldo de ATP. Por isso, é uma via
utilizada em situações de emergência, como exercícios físicos sem preparação.
A via aeróbica do Ciclo de Krebs (que também pode ser chamado de Ciclo
do Ácido Cítrico ou ainda Ciclo do Ácido Tricarboxílico- Ciclo TCA, pois
algumas moléculas do ciclo possuem 3 carboxilas) é a mais complexa. Isso
porque, para que o ciclo se inicie, o Piruvato deve ser convertido a
Acetil-CoA, uma molécula de alta energia, com 2 carbonos.
Imagine o nosso caminho até agora: a glicose entrou na célula, no
citosol ocorreu a glicólise, e agora vamos para a matriz mitocondrial (de todas as células
do organismo) para entender melhor como funciona o Ciclo de Krebs!
Desde os nossos estudos sobre a Glicólise, vimos que a glicose é um
composto que alimentará o Ciclo de Krebs (vamos continuar chamando-o de CK,
ok?). Entretanto, vários outros compostos podem ser precursores do ciclo, como
aminoácidos e ácidos graxos. Neste post, o foco continuará sendo a glicose. Por
este motivo, antes de começarmos de fato a falar sobre o CK, é preciso entender
a produção da Acetil-CoA a partir do Piruvato.
Para que o ciclo se inicie, ocorre uma reação irreversível de
descarboxilação oxidativa, na qual o grupo carboxila é removido do Piruvato na
forma de uma molécula de CO2 e há a oxidação do grupo hidroxila a um
grupo acetil, unindo-se à a coenzima A.
Com outras palavras, o Piruvato é uma molécula que contém 3 carbonos em
sua estrutura, e ao entrar na mitocôndria, 1 carbono é retirado, saindo na
forma de CO2 . Resta o grupo
acetil, que é fixada no –SH de uma substância conhecida como CoA (Coenzima A)
formando a Acetil-CoA, por uma reação de oxidação.
Esta reação é catalisada pelo Completo Piruvato Desidrogenase (PDH), que é composto por um grupo de
enzimas localizadas nas mitocôndrias de células eucarióticas – e no citosol de
bactérias. Estas enzimas são:
· E1: piruvato desidrogenase
· E2: diidrolipoil-transacetilase
· E3: diidrolipoil-desidrogenase
Além disso, o completo conta também com
5 diferentes coenzimas ou grupos prostéticos: TPP, FAD, NAD+, coenzima A (ou CoA-SH) e lipoato.
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Reação de conversão do piruvato à acetil-CoA. Fonte: Nelson, D. L.; Cox, M. |
Note que houve uma oxidação do acetil,
liberando elétrons que foram utilizados para a produção do NADH. Lembre-se que nós temos aqui 2 Piruvatos que foram produzidos na glicólise,
sendo assim, esta reação ocorrerá em dobro. Nota-se ainda que nesta conversão
Piruvato -> Acetil-CoA, tivemos a liberação de 1 CO2 e 1 NADH, para cada Piruvato.
Agora sim temos o Acetil-CoA, para
iniciarmos o Ciclo de Krebs propriamente dito.
Ciclo de Krebs
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Ciclo de Krebs. Fonte: Nelson, D. L.; Cox, M. |
O Ciclo de Krebs é a via metabólica
central do nosso organismo, e é fundamental para que os organismos possam obter
mais energia a partir dos nutrientes por meio da oxidação aeróbica do que
anaeróbica, além de que seus intermediários são precursores de compostos
bioquimicamente importantes.
O ciclo corresponde a uma série de
reações químicas que acontecem naturalmente em todas as células do organismo
para a produção de energia. É um ciclo anfibólico, ou seja, atua tanto no
catabolismo (decomposição oxidativa) quanto no anabolismo (síntese redutora de
bioméculas).
É importantíssimo entender que a
glicose que ingerimos possuía anteriormente 6 carbonos, e ela está sendo
oxidada para a produção de energia. Na glicólise, a glicose foi dividida em 2
partes, ou seja, 2 piruvatos com 3 carbonos cada. Agora no CK, haverá dois
momentos em que teremos a perda de mais 2 carbonos (etapa 3 e 4 –
Descarboxilação oxidativa – que serão descritas abaixo), além do carbono que foi perdido na conversão do Piruvato à Acetil-CoA (mostrado
anteriormente). Todos esses carbonos sairão na forma de CO2. Além dos carbonos, a glicose vai perdendo seus hidrogênios e elétrons,
e portanto, dizemos que ela vai sendo oxidada gradativamente, e até o final do
CK ela sofrerá uma oxidação completa.
Vimos até agora que o Piruvato foi
oxidado a Acetil-CoA. Agora sim a molécula poderá entrar na mitocôndria.
Então vamos entender o ciclo por
etapas:
1ª - Formação do Citrato – Condensação
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Reação de conversão do Oxaloacetato à Citrato. Fonte: Nelson, D. L.; Cox, M. |
A Acetil-CoA se combina com o Oxalacetato, em uma reação chamada de condensação, catabolizada pela
enzima citrato sintase, sem gasto de energia. O produto desta reação será
o Citrato. Ocorre a união do carbono do metil do grupo acetil ao grupo carbonil
(C-2) do Oxaloacetato.
Nota-se que nesta etapa há a hidratação
para que a CoA-SH se desligue do grupo acetil, e volte a ficar disponível para
uma nova conversão do Piruvato.
A CoA liberada nesta reação é reciclada
para participar da descarboxilação oxidativa de outra molécula de Piruvato pelo
Complexo PDH.
Lembre-se: a função de uma sintase é "reunir covalentemente", sem
entrada direta de ATP.
2ª - Isomerização – Desidratação e Hidratação
O Citrato é convertido a Isocitrato, pela enzima aconitase, que requer ferro. Trata-se de uma
reação reversível. Nota-se nesta etapa uma fase de desidratação, seguida por
uma hidratação.
3ª - Formação do α-cetoglutarato e de CO2 –
Descarboxilação oxidativa
É a primeira oxidação, onde há a descarboxilação oxidativa do Isocitrato a α-cetoglutarato e liberação de CO2, pela enzima isocitrato desidrogenase. Ocorre a redução de um NAD+ a
NADH, pela perda de 2 elétrons na oxidação.
4ª- Formação do Succinil-CoA e de CO2 - Descarboxilação
oxidativa
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É a segunda oxidação, onde há a descaboxilação do α-cetoglutarato, formando o Succinil-CoA e CO2. Ocorre a liberação de elétrons, e
consequente redução de mais um NAD+ a NADH. A reação é
catalisada pelo complexo de α-cetoglutarato-
desidrogenase. Este complexo
enzimático é semelhante ao PDH.
Até aqui, já foram
produzidas as três moléculas de CO2. Uma na conversão do
Piruvato à Acetil-CoA e as outras duas nas etapas 3 e 4.
5ª- Formação do Succinato e de um GTP
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A reação de conversão do Succinil-CoA a Succinato é catalisada pela
enzima succini-CoA sintase. Nota-se a presença de uma molécula
de GDP (difosfato de guanina), que foi
fosforilada formando uma molécula de GTP (trifosfato de
guanina). O GTP nada mais é que um composto de alta energia, como o ATP.
Rapidamente a célula troca a guanina pela adenosina, então pode-se dizer que
nesta etapa há a produção de 1 ATP.
6ª- Formação do Fumarato – Desidrogenação
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Reação de conversão do Succinato à Fumarato. Fonte: Nelson, D. L.; Cox, M. |
O Succinato é convertido à Fumarato pela flavoproteína succinato desidrogenase. Em eucariotos, esta enzima está
ligada à membrana mitocondrial interna, e em bactérias, está ligada à membrana
plasmática. A succinato desidrogenase é a única enzima do CK associada à
membrana.
Como há desidrogenação, nota-se a
redução de uma molécula de FAD a FADH2. O FAD nada mais é que um aceptor de elétrons, assim como o NAD, que
transportará os elétrons para a última parte da respiração celular.
7ª- Formação de L-Malato – Hidratação
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Reação de conversão do Fumarato à L-malato. Fonte: Nelson, D. L.; Cox, M. |
A enzima fumarase catalisa a reação de conversão do Fumarato a Malato, e para isto,
observa-se uma molécula de H2O presente na reação (hidratação).
8ª- Regeneração do Oxalacetato – Desidrogenação
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Regeneração do Oxaloacetato. Fonte: Nelson, D. L.; Cox, M. |
O Oxalacetato que havia sido ligado à molécula
de Acetil-CoA se perdeu durante a série de reações
do ciclo. Então, nesta última etapa o Oxalacetado deve ser regenerado, liberando mais um elétron, para que o ciclo continue e ele novamente
possa se ligar a uma nova molécula de Acetil-CoA. A enzima presente nesta
reação é a malato desidrogenase, e nota-se a redução de outra molécula
de NAD+ a NADH. O malato é então oxidado a Oxalacetato.
________________________________________
Sob uma visão geral do CK, temos o seguinte:
Piruvato -> Acetil-CoA + Oxalacetato
-> Citrato
(Ácido Cítrico) -> destruição do citrato em várias reações -> reações para formação do Oxalacetato -> liberação de energia -> elétrons soltos se ligam à molécula
carregadora de elétrons, NAD+ e FAD+, formando
NADH e FADH2, além da formação de CO2.
Vamos rever o Ciclo mais uma vez e
fazer algumas anotações:
Observe que nós temos o seguinte:
·
2 moléculas de CO2
·
1 molécula de FADH2
·
3 moléculas de NADH
·
1 molécula de GTP (ATP)
Além disso, não podemos esquecer que na
conversão do Piruvato à Acetil-CoA, tivemos formação de 1 CO2 e 1 NADH, lembram? Logo, refazendo os cálculos,
temos:
·
3 moléculas de CO2
·
1 molécula de FADH2
·
4 moléculas de NADH
·
1 molécula de GTP (ATP)
MAS LEMBRE-SE!!! Inicialmente tínhamos 2 piruvatos, e então temos este processo
acontecendo em dobro!!! Sendo assim, são:
·
6 moléculas de CO2,
·
2 moléculas de FADH2,
·
8 moléculas de NADH
·
2 moléculas de GTP (ATP).
Repare que essa quantidade de moléculas
é apenas da conversão do Piruvato à Acetil-CoA, mas nós começamos este estudo
sabendo que estávamos com saldo positivo de mais 2 NADH e 2 ATP, que foram
produzidos na glicólise. Por isso, essa conta vai aumentar mais um pouco:
·
6 moléculas de CO2
·
2 moléculas de FADH2
·
10 moléculas de NADH
·
4 moléculas de GTP (ATP)
Diretamente, o CK não produz muitos
ATPs, mas como veremos posteriormente, a parte final de todo este processo de
respiração celular ocorre quando os elétrons carreados por NADH e FADH2
são convergidos para a cadeia transportadora de elétrons (cadeia respiratória),
produzindo no final, O2 e H2O.
Em literaturas diferentes, pode haver
alguma convergência nesta parte do metabolismo, mas no geral, quando há a
transferência de elétrons do NADH ao O2, há a formação de aproximadamente 2,5 ATP; e do FADH2, há a formação de cerca de 1,5 ATPs. Este valor energético pode variar
também pelo mecanismo utilizado pela célula para a transferência de
equivalentes de NADH do citosol para a matriz mitocondrial. Esta estequiometria
nos permite calcular o rendimento global em ATP da oxidação completa da
glicose. No final de tudo, teremos no mínimo, 32 ATPs por molécula de glicose. Vamos fazer os cálculos a partir das
anotações que fizemos anteriormente (não vamos considerar a quantidade de CO2,
pois agora só queremos saber o rendimento energético):
·
2 moléculas de FADH2 x 1,5 = 3 ATPs.
·
10 moléculas de NADH x 2,5 = 25 ATP.
·
4 moléculas de GTP (ATP).
·
Total: 3+25+4 = 32 ATPs.
No final da postagem, vocês poderão ver
um vídeo que explica este cálculo de com as reações mais detalhadas. Mas é
importante entender que o rendimento energético final se dá pela soma de NADH,
FADH2 e ATP das reações desde a glicólise até o final do CK, e que
pode ocorrer variações de acordo com o mecanismo de transferência utilizado. É
importante entender também que para a geração desta energia, os elétrons são
transferidos para a cadeia respiratória, e só aí teremos a finalização de todo
o processo de respiração celular.
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Bônus:
Regulação da
velocidade do Ciclo de Krebs e do Completo Piruvato Desidrogenase (PDH)
Para todas as atividades nós precisamos
que o CK esteja ativado, mas dependendo da atividade, a sua velocidade deve ser
diminuída. A célula evita os chamados ciclos fúteis, que são aqueles
desnecessários, pois já há uma boa quantidade de energia.
Por isso, a velocidade global do CK é
controlada em três, sobre as enzimas citrato-sintase, isocitrato-desidrogenase e
α-cetoglutarato-desidrogenase, além do controle exercido sobre o Complexo PDH,
na conversão do piruvato à acetil-CoA.
O PDH é ativado por ADP (que é
abundante quando a célula precisa de energia), CoA, NAD+ e Ca2+.
Em situações em que não precisamos de muita energia, pode-se inibir o complexo
para bloquear a formação de muita Acetil-CoA proveniente do Piruvato, evitando
excessos. Caso haja formação de Acetil-CoA e esta não é usada no CK, é
reservada dentro da célula na forma de ácidos graxos (gordura). Por isso, se
não gastamos a energia, o nosso corpo sempre acumulará Acetil-CoA. Por
consequência, formaremos cada vez mais ácidos graxos, e... a tendência é
engordar! (rsrs).
O controle do CK sobre a
citrato-sintase se dá pelo acúmulo de NADH, succinil-CoA, citrato e ATP. A
enzima isocitrato-desidrogenase é regulada pelo acúmulo de ATP, e por fim, a
α-cetoglutarato-desidrogenase, é regulada por altos níveis de succinil-CoA e
NADH.
Se você tiver o interesse em entender
sobre esta regulação de forma mais detalhada, deixe seu comentário!
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Como é sempre bom, para terminar vai
indicação de uma aula do Prof. Sérgio Araújo, para ajudar a fixar o assunto:
vídeos, com explicação bem mais completa:
Este foi o post de hoje. Se conseguimos te ajudar, retribua divulgando! Até a próxima.
Fontes:
· NELSON, Davi L. Princípios de bioquímica de Lehninger. 5ª edição.
· CAMPBELL,Mary K.; FARRELL, Shawon O. Bioquímica. 5ª edição. Vol 3.
Parabéns! Didática excelente.
ResponderExcluirMuito bom o seu trabalho! Muito fácil de compreender :) Parabéns!
ResponderExcluirComo os altos níveis de Succinil CoA regulam o citrato sintase?
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