Considerando
que todos os biomédicos não são muito adeptos da bebedeira(ironia aqui), digamos que “algum
amigo” seu já deve ter entrado na bebida, e veio achando que você era obrigado
a curar a ressaca dele, porque afinal, você é um biomédico (ironia de novo)! Essa
é a hora de mostrar que você sabe tudo sobre o metabolismo do etanol. Vale a
pena conferir!
Veisalgia.
Já ouviu falar? Este é o nome correto (e mais bonito) para “ressaca”. A palavra
advém da palavra norueguesa “kveis”, que significa “mal-estar depois da orgia”
(risos), e da palavra grega “algia”, que significa “dor”. É um nome apropriado,
convenhamos, diante dos efeitos fisiológicos que a ingestão de álcool provoca.
As características da veisalgia são cefaleia, náusea, sensibilidade à luz e ruídos,
letargia, disforia e sede, e ocorrem quando os efeitos da bebida começam a
desaparecer.
Mas
vamos aos fatos. Quando o seu “amigo” bebe, o álcool entra na
corrente sanguínea, através da absorção intestinal e gástrica, fazendo com que haja o bloqueio da produção do hormônio
antidiurético (ADH) ou vasopressina, pela hipófise. O ADH é um hormônio
inibidor da diurese, e é necessário em casos onde o organismo precisa reter
líquido, mas nesta situação, se o ADH é bloqueado, há o favorecimento da
diurese. Além disso, como está havendo ingestão de líquido, consequentemente há
uma hipervolemia, e esse excesso de líquido será filtrado pelos rins e
eliminado através da urina. É esse o motivo de frequentes micções após alguns
copos de cerveja, e pela perda de líquido, ocorre a sede no dia seguinte, um
dos efeitos da ressaca.
Todo
este mecanismo é regulado por receptores osmóticos do hipotálamo. “Quando há um
aumento na concentração do plasma - o que significa que este contém pouca água
- os osmorreguladores estimulam a produção de ADH [...]”. Em
contrapartida, se há baixa concentração do plasma, significa que há muita água,
e o ADH é inibido.
Entretanto,
não é só o álcool o vilão, mas também o primeiro produto dele. Trata-se do acetaldeído, produzido no fígado pela
degradação do álcool por uma enzima chamada de Álcool desidrogenase. Após este processo, a reação continua com a
enzima Aldeído desidrogenase, e será
formado o acetato, que não é um
composto tóxico. A reação prossegue formando Acetil-CoA, que pode entrar no Ciclo de Krebs, produzindo energia, ou produzir ácidos graxos.

Dentro desta reação, há também a glutationa, uma substância essencial
na transformação do acetaldeído em acetato. Temos então que, se a ingestão de
bebida alcóolica é baixa, o álcool é convertido em acetato, e tudo está certo.
Mas, se o consumo for alto, o estoque de glutationa se esgota e, portanto, há
um acúmulo de acetaldeído, até que o fígado produza mais glutationa para ajudar
a Aldeído desidrogenase a degradá-lo. Outras enzimas também estão envolvidas no
metabolismo do álcool, e são elas: a CYP2E1 - principal componente do sistema
microssomal hepático de oxidação do etanol (MEOS); e a catalase, - localizada
nos peroxissomas dos hepatócitos, responsável por apenas cerca de 10% da
oxidação.
Outro
ponto em questão é a inibição da glutamina pelo álcool. A glutamina é um
aminoácido precursor do glutamato e do GABA, neurotransmissores respectivamente
excitatório e inibitório. Enquanto a pessoa bebe, a glutamina é inibida, e ao
parar com a ingestão, o organismo volta a produzir a substância de forma
desenfreada para tentar compensar o que não foi produzido. Se há aumento da
produção de glutamina, consequentemente, os níveis dos dois neurotransmissores
também se elevarão, o que provoca a sensação de “noite mal dormida”, pois a
pessoa não consegue atingir os níveis saudáveis de sono.
E
qual a relação entre a glicemia e o consumo de álcool? Quando não ingerimos
carboidratos, o nosso organismo produz glicose através da quebra de lipídeos
(gliconeogênese). Se a ingestão de álcool não for acompanhada pelo consumo de
carboidratos que forneceriam energia ao corpo, o organismo deveria começar a
produzir a glicose, mas isto não acontece. A explicação para isso é que, devido
à toxidade do álcool, o organismo está “preocupado” em degradá-lo mais
rapidamente que produzir energia. Ocorre então, a hipoglicemia, que pode levar
à produção de corpos cetônicos, o que é mais grave que uma “simples” ressaca,
pode levar ao coma. Mas... é esta hipoglicemia que causa os sintomas de cansaço
e fraqueza. A dor de cabeça é causada pela diminuição da coagulação do sangue e
desaceleração do fluxo sanguíneo no cérebro. Por causa disso, os vasos
sanguíneos se dilatam, causando a dor de cabeça.
A
irritação das células estomacais (gastrite alcóolica) por causa da secreção
elevada de ácido clorídrico para a digestão do etanol é que provoca o vômito. Obviamente,
a sensação não é nada boa, porém é positiva, pois livra o estômago do álcool,
reduzindo as toxinas do organismo. Pode haver também diarreia e perda de
apetite devido a este fator.
A
fotossensibilidade, também um dos sintomas da ressaca (ou veisalgia), é devida
à debilidade do sistema nervoso causada pela intoxicação do álcool. Há a
excitação da retina, e ela se irrita com facilidade.
Vale
ressaltar que a rapidez da absorção do álcool pelas mucosas intestinal e
gástrica, pode alterar pela temperatura, presença de CO2 e de
alimentos, portanto, se alimentar antes de beber é importante, além do fato de
ter energia proveniente do alimento para ser gasta pelo organismo.
BÔNUS:
A
parte séria da história: o alcoolismo
Além
do coma alcóolico, citado no texto acima, há muitos outros fatos que devem ser
levados a sério e repensados. Um deles é o alcoolismo. O álcool é uma droga
responsável por um alto índice de alcoolismo, uma doença que certamente tem
característica genética (estudos ainda estão sendo realizados para confirmar
esta afirmação). Nos alcóolatras, o nível da enzima álcool desidrogenase
aumentam muito rápido, diminuindo os efeitos intoxicantes do álcool.
Consequentemente, os alcóolatras conseguem aturar um maior nível de etanol no
sangue, que seria fatal a outras pessoas. A segunda parte da reação (formação
do aldeído) é, assim como para todo mundo, o maior responsável pelos sintomas
de mal-estar.
O
alcoolismo traz consigo uma péssima alimentação, o que piora ainda mais a
situação, visto que como afirma Campbell e Farrell (2008), o álcool é uma fonte
vazia de calorias.
Fontes:
CAMPBELL,
M. K.; FARRELL, S. O; Bioquímica. Thomson: 2008, v.3, 5.ed.